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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Enjoy your family.









RETRATO DE FAMÍLIA

Este retrato de família
Está um tanto empoeirado.
Já não se vê no rosto do pai
Quanto dinheiro ele guardou
Nas mãos dos tios não se percebem
As viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa, amarela,
Ficaram traços da família
Perdidos no jeito dos corpos
Bastante para sugerir
Que um corpo é cheio de surpresas.
A moldura deste retrato
Em vão prende suas personagens.
Estão ali voluntariamente,
Sem memórias da monarquia.
Os meninos, como estão mudados.
O rosto de Pedro é tranqüilo,
Usou os melhores sonhos.
E João não é mais mentiroso.
O jardim tornou-se fantástico.
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
É um oceano de névoa.
No semicírculo das cadeiras
Nota-se certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
Mas sem barulho: é um retrato.
Vinte anos é um grande tempo
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
Outra, sorrindo, se propõe.
Esses estranhos assentados,
Meus parentes ? Não acredito.
São visitas se divertindo
Numa sala que se abre pouco.
Saberiam-se preciso- voar.
Poderiam sutilizar-se
No claro-escuro do salão,
Ir morar no fundo dos móveis
Ou no bolso dos velhos coletes.
A casa tem muitas gavetas
E papéis, escadas compridas.
Quem sabe a malícia das coisas,
Quando a matéria se aborrece?
O retrato não me responde,
Ele me fita e me contempla
Nos meus olhos empoeirados.
E no cristal se multiplicam.
Os parentes mortos e vivos.
Já não distingo os que se foram
Dos que restaram. Percebo apenas
A estranha idéia de família
Viajando através da carne.

Carlos Drummond de Andrade



"Enjoy your family..." (Reverbere!!!!)

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