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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Amor e Desamor...



Análise Psicossocial do Amor e do Desamor

O Casal: Início, Meio e Fim

Por Xavier Serrano Hortelano


PAIXÃO E AMOR

Todas as pessoas adultas de alguma maneira, conhecem a experiência do amor, da paixão e também do desamor e das consequências emocionais que implica tudo isso.

Amor é um conceito abstrato, portanto, subjetivo, de fácil interpretação e que pode ser vivido em determinados momentos da vida, com determinados objetos, entendendo por objeto, aquilo que recebe afeto. O amor pode ser sentido com um filho, um animal, uma casa (objeto físico), uma entidade espiritual e também com uma pessoa, com um companheiro. Nessa ocasião, vou centrar-me no último caso. Irei descrever algumas particularidades do sentimento amororso compartilhado, vivido com outro/a e que permite, facilita e desenvolve a instituição do casal.

Desde a psicologia profunda a função da relação do casal é a de poder desenvolver a capacidade de amar que existe em cada ser humano. A de poder ter espaço para canalizar esta parte do instinto do ser humano, esta necessidade vital, que é a capacidade de entrega, abandono, de expansão.

Dentro da lógica natural, da espontaneidade, o primeiro que aparece é o desejo, o impulso de atração a alguém. É um processo energético que ninguém pode explicar, mas não implica a criação de um compromisso, de um reconhecimento, nem que estas duas pesoas queram compartilhar parte de suas vidas.

Existe diferença entre o amor e a paixão. Pode haver paixão sem amor, mas nunca pode haver amor se não há paixão. Porque até no amor místico há paixão.

Paixão significa uma exacerbação de um afeto vinculado, transmitido, canalizado em outra pessoa ou em outra entidade. Pode haver momentos de paixão sem amor, sendo somente uma pulsão a qual se compartilham momentos parciais sem problemas, sempre que haja um acordo. Se não há acordo é violação, não paixão.

Desde esta perspectiva, o amor do casal possui duas partes: O momento de apaixonar-se, que é um espaço em que a consciência perde os referentes, entrando um pouco na loucura, por ser um espaço atemporal, próprio; e o amor, que implica compromisso e eleição ao reconhecer a pessoa a qual apaixonou-se, como alguém para compartilhar a realidade cotidiana, com um projeto emocional, racional e sexual. Sempre fala-se de que o amor exige escolha. Ama porque escolhe e escolhe porque perde, assim, ama porque pode perder.

O reconheciento passa pela existência de uma satisfação e do prazer de compartilhar. Desta perspectiva o que se deve analisar são as formas de relação que acontecem, levando em considerção que falar de modelos na relação humana é absurdo, porque existem muitas possibilidades de formas de relação, todas lícitas, se aceitas por ambos membros deste sistema humano. Portanto, deve ser uma relação transparente onde ambos possam estar num mesmo plano. Sem esta premissa, é complicado falar de uma relação amorosa.

Conhecemos o casal clássico, o qual supostamente, duas pessoas sentem-se atraídas e apaixonadas, criando um espaço próprio de convivência. Mesmo em casais que compartem espaços comuns, entrando mais numa dinâmica social tribal, onde não estão marcadas as funções hierárquicas – pai, mãe, filho – como estão na família ocidental. Na tribo, a responsabilidade da educação é mais ampla e portanto, há outras figuras, com as quais, o peso, a responsabilidade e o modelo de referência não cai estritamente sobre o pai e a mãe. As consequências educativas disto estão pouco estudadas, como também estão pouco estudadas as consequências de casais homossexuais que adotam filhos.

Há muitas modalidades no momento social atual, novas formas de relação que não sabemos quais consequências podem haver por ser muito pouco tempo de existência. Podemos opinar ideológicamente, mas não cientificamente. O que sim está estudado, e será o que centraremos mais para frente são as consequências traumáticas de uma separação destrutiva e as consequências favoráveis de uma separação cúmplice, construtiva.

Em geral, nos encontramos com dois modelos referenciais: O que nossos pais nos mostraram durante nossa convivência com eles, ou seja, o modelo educativo familiar, e o que introjetamos das experiências que pudemos viver afetivamente, emocionalmente e energéticamente com a primeira figura da nossa vida, nossa mãe, o que não se pode lembrar porque se deu aos princípios da nossa vida quando o sistema neuronal ainda não possui esta capacidade.


NOSSOS MODELOS RELACIONAIS

O primeiro momento, o fusionalno qual se cria realmente uma dinâmica profunda e com amor autêntico, é o que é produzido na relação entre a mãe e o bebê, tanto a nível intrauterino como extrauterino. Condicionando inconscientemente nossa maneira de relacionarmos com aquele que amamos. Por exemplo, há pessoas que fusionam em excesso com o companheiro/a e vivem uma dependência extrema, porque, geralmente, viveram uma separação ou uma relação muito curta com a mãe durante este momento primitivo, e vivem nesta nova pessoa, homem ou mulher, um deslocamento de afetos maternos com todas as consequências que isso leva, tanto durante o tempo da relação como no período de ruptura, aos quais, nestes casos, é possível chegar a viver situações de violência ou fortes depressões.

Nascemos com a capacidade de amar, de abrirmos ao outro, havendo um movimento para fora, nossa estrutura está em movimento, está reciclando-se energéticamente, estando viva, portanto. Mas no nosso sistema social atual, a dinâmica familiar tende a ser fria e distante, limitando os afetos e as expressões emocionais, inclusive a espontaneidade da primeira infância. Com esta tendência inibitória existem muitas famílias em que a violência latente ou manifesta aparece cotidianamente. São nestes sistemas em que a criança vai se refugiando em um mundo imaginário que lhe impede o contato com a relaidade.

Quando não se vibra e não sente ao outro, qualquer comportamento destrutivo pode ocorrer. O impulso surge de forma caótica, não havendo emocionalidade, portanto, não havendo censura ou ética que o breque. O modelo de referência que possuem, é o de petrificação, ou melhor, de ausência da experiência emocional. O único que lhes resta é a possibilidade de expressão desta emoção fora do núcleo familiar, necessitando a emergência das pulsões destrutivas que vivem na família e que não podem expressar em outros círculos. Assim, é quando acontece em circuitos que no fundo estão permitindo a canalização destas pulsões que não puderam viver no núcleo familiar. Grande parte da delinquência juvenil surge destes sistemas familiares que vão permitindo o cultivo desta violência social posterior ou paralela. Este é um referente da Psicologia forense e jurídica para entender certas respostas extremas, delitivas, que fazem parte da psicopatia social. Um ser humano que está apenas numa situação de narcisismo permanente, isto é, ao que só se vê a si mesmo, será uma pessoa que progressivamente imaginará a realidade, desenvolvendo uma dinâmica patológica. Poderíamos dizer que o psicópata é o sujeito que levou o narcisismo ao extremo de imaginar a realidade de contato com o outro, sem emoção, até o ponto que pode destruir sem alterar-se. Há muitos psicópatas cívicos e não só nas cadeias...

Mas em menor escala, há também um nível de emocionalidade reprimida, de assepcia, de um certo estado apático, ao qual o elemento narcísico é maior cada vez mais, por ir perdendo a capacidade de contato com o outro.

De certa forma, os mecanismos sociais aos que estamos imersos, facilitam esta falta, criando modelos de referência que limitam a possibilidade de construir um modelo próprio de identidade, forçando ritmos e dinâmicas que distressam e rompem com nossa capacidade de atuação espontânea e no fundo, facilitando um individualismo baseado principalmente no amor aos objetos, ao ter ao invés de favorecer o ser e o estar. Como dizia Erich Fromm, prevalece o ‘ter’ sobre o ‘ser’.

Assim, vamos criando uma sociedade que tende a valorizar cada vez mais o ser humano por ter muitos objetos e, entre esses objetos muitas vezes estão as pessoas, e entre estas pessoas, muitas vezes está o casal. As vezes estar com alguém pode ser algo estético. Em muitas sessões de casais que fazem terapia essa sensação aparece, sobretudo na mulher, de sentir-se ‘um vaso de flores’, isto é, sentir que seu companheiro está ao seu lado porque se veste bem, porque é bonita, tem estilo e que cai bem nas reuniões sociais. Nao se sente amada, senão possuída. O pertencer prevalece sobre o ‘estar com’ e este, é um problema que se aborda frequentemente nas terapias de casal.

Também é comum que o período inicial de apaixonar-se vá modificando até o ponto de difuminar o motivo inicial do encontro e a realidade cotidiana passa a ser vivida de maneira estranha, convertendo-se numa convivência por interesses materiais compartilhados, mas onde o afeto vai desaparecendo.

Este é o risco da instituição do matrimônio, podendo cair em uma rotina em que se desenvolva uma relação perversa, porque qualquer motivo será válido para permanecer, para não perder algo que se sente próprio. O que num princípio é qualitativamente bonito, faz parte do instinto, da visceralidade, converte-se progressivamente em um monstro, que vai devorando toda flor que existe ao seu redor. E um dos promotores deste processo é este traço narcísico do qual falei, que, todos de alguma maneira temos, e que entre outras coisas nos impede assumir de que as coisas são temporais, de que a vida é temporal, de que temos um tempo de existência vivendo e portanto, com um ritmo existencial de atemporalidade, com a sensação de que vamos a ser sempre os mesmos e que tudo ao nosso redor vai seguir igual.

No nosso esquema psíquico procuramos sempre uma evitação da mudança, da mesma maneira que existe uma homeostase fisiológica que nos permite um equilíbrio frente aquilo que pode ser nocivo. Inconscienemente evitamos qualquer movimento que possa supor romper os esquemas de espaço temporal sobre os que sentimos uma certa segurança, e por isso, falar sobre o final de alguma coisa, sempre cria uma ansiedade, por conectar com nosso temor ao final da vida e com o temor à morte, que neste momento, na sociedade, é um tema mais tabú que o do sexo.


O VALOR DA CRISE

Quando iniciamos uma relação, todos sabemos que pode terminar, mas realçam na legalização desta instituição a frase: ‘Até que a morte os separe’, significando: ‘até que algo externo a nós nos separe’. O que limita a liberdade de decisão, que para que existisse, seria certo modificar por: ‘Até que a morte daquilo que motivou nosso encontro nos leve a separarmos’. Isto é, até que a função da relação deixe de existir e acabe seu dever. E se a função do casal humano é a de desenvolver a capacidade amorosa de cada indivíduo, pode ocorrer que este sistema passe a não ser válido para o desenvolvimento pessoal de um de seus membros e apartir deste momento, há de haver um replanejamento real e aceitar a crise. Já não é mais como antes, algo aconteceu, e assim, temos que afrontar uma nova realidade. Aceitar a crise não significa necessariamente a separação, mas que poderia haver uma mudança qualitativa importante onde exista um maior encontro afetivo e mais comunicação. Mas para isso, primeiro há de assumir a realidade, a crise.

Esse conflito pode vir motivado por uma mudança de valores individuais, por um novo trabalho, pela entrada de uma terceira pessoa no marco sexual, pelo nascimento de um filho, pela morte de algum familiar, ou por qualquer outra circunstância cotidiana que influencie diretamente na psicologia da emocionalidade, repercutindo em seu ecossistema mais próximo.

O casal, é um sistema vivo, ao qual ninguém pode garantir o que irá acontecer amanhã, porque ninguém pode garantir o que nos acontecerá individualmente. Em momentos determinados, o impacto é produzido de maneira traumática, porque perdemos a capacidade de darmos conta do que está acontecendo ao nosso redor e perdemos o contato com o que está acontecendo com nosso companheiro/a, quem logo irá expressar sua falta de desejo sexual, sua pouca motivação para compartilhar atividades, ou a presença de uma terceira pessoa, ou seu interesse pela separação. O problema é dos dois, de quem não se dá conta e de quem acreditava que o outro estava percebendo. Chega um momento em que o bloqueio na comunicação facilita o uso do imaginário e da criação e interpretaçao da realidade.

Neste momento é quando necessariamente temos que assumir a crise, o que implica em reconsiderar três nívis fundamentais: a) O cognitivo, ou seja, como nos comunicamos, quais níveis de transmissão de valores, idéias, projetos existe com esta pessoa. b) O emocional, avaliando qual o nível de afetos que existe: carinho, tristeza, anseios, frustrações. c) A capacidade de prazer que tenho com esta pessoa, de gozo, de abandono sexual.

Um bom teste permantente no casal é ir analisando qual destes aspectos vão enfraquecendo na relação. Estes três aspectos têm uma grande importância, porque no fundo estamos falando de um sistema que é compartilhado na vida cotidiana. Haverá momentos da vida em que se dá mais importância a essa empatia sexual e momentos que será mais importante a afetiva, a cognitiva ou a identificação laboral e social. Depende de momentos vitais, de idades e de circunstâncias, mas estando presentes significa que está havendo uma vivência global na relação. Se isso não acontece, evita-se o crescimento e o desenvolvimento de facetas vitais para as duas pessoas, que então viverão fora da relação.

Essa necessidade parcializa-se, divide-se, começa a separar-se e romper progressivamente a relação do casal. Estes três níveis nos indica o momento real do casal e nos permite, quando não haja outra saída, considerar a possibilidade de perceber que é um momento definitivo em que já não há possibilidade de reconstrução. Até este momento poderia estar condicionado pela marca amorosa e, em um último ato de amor, deveria procurar-se a morte deste sistema desde uma perspectiva de transformação criativa para que cada um dos membros pudesse continuar seu caminho de maneira criativa. Isso significa viver esta separação, não como um fracasso, mas como uma mudança, como um final que facilita uma transmutação.

Inclusive na sociedade norte-americana, onde estatísticamente há mais separações, comparado aos países nórdicos na Europa. Muito interessante ver como a nova relação tenta ocultar ou negar, esquecer a relação anterior e isso, se observa na relação com os filhos. Quando um filho de duas pessoas passa a viver com o novo relacionamento da mãe ou do pai com um novo matrimônio, este filho chama de ‘papai’ ou ‘mamãe’ a esta nova pessoa, talvez para evitar um conflito cotidiano, tendo que esquecer as orígens do passado. Algo esquecido é algo que é vivido com culpa, que se há de esconder. Não temos porquê negar nossa vida. Pudemos viver um tempo com esta pessoa e agora, estamos com outra, mas esta pessoa não morreu fisicamente, não desapareceu, ainda mais sendo mãe ou pai de nossos filhos e exerceu esta função um determinado tempo. Mas como habitualmente as separações são produzidas em situações já extremas, o que permanece é o ódio e a destrutividade e frente a ela, o único que resta é esquecer.


( O texto continua, mas achei interessantíssimo apenas estes escritos para a proposta deste blog... )

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