Translate

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

As tais mudanças...

 
(Foto: Carol Gregorutti, em Marília - SP)
                              


"...Em muitos trechos do caminho, às vezes bem longos, carregamos muito peso na alma sem também notar. 

A gente se acostuma muito fácil às circunstâncias difíceis que às vezes podem ser mudadas. A gente se adapta demais ao que faz nossos olhos brilharem menos.
 A gente camufla a exaustão.
 A gente inventa inúmeras maneiras para revestir o coração com isolamento acústico para evitar ouvi-lo. 
A gente faz de conta que a vida é assim mesmo e ponto. A gente arrasta bolas de ferro e faz de conta que carrega pétalas só pra não precisar fazer contato com as nossas insatisfações e agir para transformá-las. 
A gente carrega tanto peso, no sentimento, um bocado de vezes, porque resiste à mudança o máximo que consegue, até o dia em que a alma, cansada de não ser olhada, encontra o seu jeito de ser vista e de dizer quem é que manda.

Eu fiquei pensando no que esse peso todo, silenciosamente, faz com a alma. No que isso faz com os sonhos mais bonitos e charmosos e arejados. 
No que isso, capítulo a capítulo, dia-a-dia, faz com a nossa espontaneidade. 
No que isso faz, de forma lenta e disfarçada, com o desenhista lindo que mora na gente e traça os risos de dentro pra fora. 
E o entusiasmo.
 E o encanto.
 E a emoção de estarmos vivos. 
Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente se acostumar tanto. No quanto é chato a gente só se adaptar. 
No quanto é chato a gente camuflar a própria exaustão, a vida mais ou menos há milênios, que canta pouco, ri pequeno e quase não sai pra passear. 
Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente deixar o coração isolado para não lhe dar a chance de nos contar o que imagina pra nós e o que podemos desenhar juntos nessa estrada.

Mas chega um momento em que me parece que, lá no fundo, a gente começa a desconfiar que algo não está bem e que, ainda que seja mais fácil culpar Deus e o mundo por isso, vai ver que os algozes moram em nós, dividindo espaço com o tal desenhista lindo que, temporariamente, está com a ponta do lápis quebrada.
 Sem fazer alarde, a gente começa a perceber os tímidos indícios que vêm nos dizer que já não suportamos carregar tanto peso como antes e a viver só para aguentar. 
Devagarinho, a gente começa a sentir que algo precisa ser feito.
 Embora ainda não faça. Embora ainda insista em fazer ouvidos de mercador para a própria consciência. Embora ainda estresse toda a musculatura da alma, lesione a vida, enrijeça o riso, embace o brilho dos olhos, envenene os rios por onde corre o amor. 

Por medo da mudança, quando não dá mais para carregar tanto peso, a gente aprende a empurrá-lo, desaprendendo um pouco mais a alegria.
 Quase nem consegue respirar de tanto esforço, mas aguenta ou pelo menos faz de conta, algumas vezes até com estranho orgulho. 
Até que chega a hora em que a resistência é vencida. 
A gente aceita encarar o casulo. 
A gente deixa a natureza tecer outra história.
 A gente permite que a borboleta aconteça.


Nascemos para aprender a amar, a dançar com a vida com mais leveza, a criar mais espaço de conforto dentro da gente, a ser mais felizes e bondosos, a respirar mais macio, essa é a proposta prioritária da alma, eu sinto assim. 
Podemos ainda subestimar a nossa coragem para assumir esse aprendizado.
 Podemos nos acostumar a olhar o peso e o aperto, nossos e dos outros, tanto sofrimento por metro quadrado, como coisa que não pode nunca ser transformada. 
Podemos sentir um medo imenso e passar longas temporadas quase paralisados de tanto susto. 
Podemos esgotar vários calendários sem dar a menor importância para o material didático que, aqui e ali, a vida nos oferece. 
Podemos ignorar as lições do livro-texto que é o tempo e guardar, bem escondido do nosso contato, esse caderno de exercícios que é o nosso relacionamento com nós mesmos e com os outros. 
Apesar disso tudo, a nossa semente, desde sempre, já inclui as asas.
 Já inclui o voo. Já inclui o riso. 
Já é feita para um dia fazer florir o amor que abriga
E, mais cedo ou mais tarde, ela floresce." 
(Ana Jácomo)

Um comentário:

  1. Amiga mais que querida, amada. Este texto é uma obra de arte. Obrigada por me trazer um momento de leitura mt gostoso e reconfortante.
    AMO VC!

    ResponderExcluir

Sensibilize-se!