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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O eu profundo e os outros Eus.





[...]
Quando emergimos de repente ante o estagnar dos lagos sentíamo-nos a querer soluçar. . . Ali aquela paisagem tinha os olhos rasos de água, olhos parados cheios de tédio inúmero de ser. . . Cheios, sim, do tédio de ser qualquer coisa, realidade ou ilusão — e esse tédio tinha a sua pátria e a sua voz na mudez e no exílio dos  l a g o s . ..
E nós, caminhando sempre e sem o saber ou querer, parecia ainda assim que nos demorávamos à beira aqueles lagos, tanto de nós com eles ficava e morava, simbolizado e absorto. . .

E que fresco e feliz horror o de não haver ali ninguém! Nem nós, que por ali íamos, ali estávamos. . . Porque nós não éramos ninguém. Nem mesmo éramos coisa alguma.. . Não tínhamos vida que a morte precisasse para matar. Éramos tão tênues e rasteirinhos que o vento do decorrer nos deixara inúteis e a hora passava por nós acariciando-nos como uma brisa pelo cimo de uma palmeira.
Não tínhamos época nem propósito. Toda a finalidade das coisas e dos seres ficara-nos à porta daquele paraíso de ausência. Imobilizar-se, para nos sentir senti-la, a alma rugosa dos troncos, a alma estendida das folhas, a alma núbil das flores, a alma vergada dos frutos. . .
E assim nós morremos a nossa vida, tão atentos separadamente a morrê-la que não reparamos que éramos um só, que cada um de nós era uma ilusão do outro, e cada um, dentro de si, o mero eco do seu próprio ser. . .
Zumbe uma mosca, incerta e mínima. . .
[...]

(Fernando Pessoa- Na floresta do Alheamento)

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